28/10/2009 - 17:01

“Literatura existe antes do livro e existirá depois”


Foto: Claudio Tavares/UPF
Eloy Martos Nuñes (esq.) e Miguel Rettenmaier (dir.) no Seminário de Pesquisa e Leitura
No segundo dia do Seminário de Pesquisa em Leitura e Patrimônio Cultural, evento que integra a 13ª edição da Jornada de Literatura de Passo Fundo, o professor da Universidad de Extremadura, na Espanha, Eloy Martos Núñez, apresentou a conferência “A nova mitologia das (hiper) mídias”

Martos Núñez abriu a conferência dizendo que, hoje, há uma fratura na cultura letrada, na leitura e na escrita acadêmica, provocada e absorvida em grande parte pela internet e pelas novas tecnologias. “Na prática, não é fácil de articular temas como leitura e escrita acadêmica, o papel das novas tecnologias, a publicação acadêmica ou a alfabetização informacional. Abriu-se uma grande diferença entre a "cultura letrada" e as novas práticas de leitura e escrita que foram geradas a partir da Internet. Não se está conseguindo que as novas gerações, os chamados "nativos digitais", se apropriem, como parte do seu patrimônio cultural, da grande tradição clássica, o mundo dos livros, ensaios, etc. E isso acontece em grande medida por conta de um problema de educação que começa no nível básico e termina na Universidade”.

Outra questão é que, se antes a cultura letrada era caracterizada pelo individualismo, numa simples relação do leitor com a obra, hoje, o que se percebe é o compartilhamento, a participação, a convergência de informações, naquilo que se pode definir como inteligência coletiva. Martos Núñez alerta, no entanto, que a internet é apenas uma ferramenta, e o que realmente importante são as práticas associadas a essa tecnologia. Além disso, há que se levar em conta a qualidade do conteúdo gerado na internet e, principalmente, a falta de um mediador que “filtre” o conteúdo à disposição do internauta, como ocorre na relação professor-aluno.

Ele vê no sucesso de sagas como “O senhor dos Anéis” um exemplo de estímulo à leitura, apesar de certas vezes serem repetitivas. “O modelo das sagas funciona bem no gênero épico porque as narrativas são muito perto da realidade do mundo, com todas as suas guerras, batalhas e avatares. Tais aventuras, na vida real, têm lugar em um espaço limitado e característico de um período de tempo mais ou menos extenso, que só podem ser capturadas em uma obra que tenha mais de um volume. Em todo o caso, no papel ou on-line, em um livro ou um filme, quadrinhos ou videogames, a saga chega a ser como um conto maravilhoso, a realização de um sonho (a vitória do bem contra o mal), através de símbolos mais ou menos atualizados”.

Desta forma, os universitários, como outros jovens, estão mais próximos das sagas por diferentes fatores e interesses. “É verdade, que muitas vezes eles não são receptores críticos. Em grande parte, porque ninguém, nem a universidade, lhes deu as chaves e ferramentas suficientes para entrar neste emaranhado”, destaca.

“As sagas que emocionam comprometem-se com o leitor, e ao revê-las produz-se uma catarse, uma identificação ativa e uma sedimentação de valores. Esta é a nossa proposta. Ler para pensar e pensar para ler – também nos novos ambientes digitais e participativos – este é um autêntico desafio. Temos que ajudar a cultivar a imaginação, a fantasia, superando o simples consumismo, combinando o desenvolvimento da imaginação com o do pensamento crítico”.

Certamente, diz Martos Núñez, o mais difícil é ajudar que cada leitor crie de forma responsável seus próprios caminhos de acordo com os novos tempos, sem se esquecer a dimensão social da leitura e o compromisso que a Universidade tem com a comunidade.

Ao final da conferência, o professor da Universidad de Extremadura, e também coordenador da Red de Universidades Lectoras, questiona as discussões e previsões a respeito do futuro do livro, até mesmo do ponto de vista ético. Polêmicas à parte, o mais importante é que “literatura existe antes do livro e existirá depois”.

Assessoria de Imprensa Jornadas Literárias